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Foto do escritorBe YourTrip

Caminho dos Anjos: Duas Amigas no Caminho

Atualizado: 7 de jan. de 2019



Nesse carnaval a folia foi diferente. A Cris e eu resolvemos fazer uma viagem de bicicleta. A proposta era andar por volta de 240 km passando por várias cidades da linda Minas Gerais, percorrendo um trajeto de peregrinação chamado “Caminho dos Anjos”. Feitas as análises pertinentes decidimos encarar o desafio. Seria a primeira vez que pedalaríamos uma distância tão grande em dias consecutivos. Começamos o planejamento e os treinos. O que levar? Onde dormir? Qual alimentação mais adequada? E haja suor nos treinos pra simular as subidas de Minas. O que inicialmente era apenas uma vontade – fazer uma viagem de bike –, foi tomando proporção e criando um sentido maior dentro da gente.

Conforme compartilhávamos nosso projeto com as pessoas, o que não faltavam eram afirmativas a respeito da nossa coragem e loucura. Coragem pelo desafio dos 240 km em que boa parte seriam de subidas pesadas, e loucura porque decidimos encarar esse projeto sozinhas sem nenhum carro de apoio. “Mas vocês vão sem carro de apoio?” Sim, nós vamos sem carro de apoio. Até entendemos o questionamento das pessoas. Um tanto preocupante duas mulheres pedalando no meio do mato, sozinhas, durante cinco dias, completamente expostas ao acaso. Mas é isso! O acaso é um tanto sedutor.

Nos munimos das prudências necessárias para suprir contratempos previsíveis, e com muita energia positiva nos entregamos “ao Caminho” ofertando toda nossa disposição, alegria e desejo de superação. Em contrapartida fomos com os corações abertos para receber o que “ele” quisesse nos oferecer. Primeiro dia – Acordar cedo, passar muito protetor solar, preparar o alforge (malinha que vai no suporte traseiro da bike), colocar o roteiro do dia no porta mapas, capacete, óculos, luva, tomar um café da manhã caprichado e assim começou a aventura. A sensação gostosa das primeiras pedaladas, misturada com a ansiedade do que o novo traria, nos fez apreciar cada metro percorrido da pequena Passa Quatro, município muito charmoso e acolhedor que honra a tradição de “bem receber” de Minas Gerais. Não demora muito e avistamos a primeira seta - - os caminhos de peregrinação geralmente são sinalizados com setas indicativas da direção a ser seguida. Oficialmente “estamos no caminho”. Percorremos 20,2 km e paramos no restaurante do Espanhol para almoçar. Lugar lindo onde descansamos a beira de um lago após almoçar uma truta espetacular. O dia terminou após percorrermos 36,41 km, chegando ao sítio Moana onde fomos muito bem recebidas pela Lily e pela Solange. Ficamos em um chalé delicioso a beira de um riacho que embalou nosso merecido descanso. Antes de dormir jantamos com as donas do sítio, duas cariocas que moraram muitos anos no México, mas resolveram voltar para o Brasil e encontrar descanso e vida com qualidade na pacata Itamonte. Hoje se dizem felizes cuidando da rotina do sítio, dando aulas de Biologia e Inglês e recebendo peregrinos no sítio.


Segundo dia – Partimos de Itamonte em direção a Aiuruoca, com parada para almoço em Alagoa. Este dia foi longo. No período da tarde a corrente da minha bike estourou. Paramos, sacamos nossas ferramentas e começamos e tentar lembrar da aula que tivemos sobre troca de elos de corrente. Que saudade do Divino! Até então, não havíamos cruzado com ninguém pelo caminho. Mas já que o caminho é “dos Anjos”, Deus colocou uma dupla inusitada passando bem nessa hora por nós: o Cráudio e o Chevinho, que estavam de moto indo levar ovos pra irmã de um deles. Se o Caminho é dos Anjos e estamos em pleno carnaval, normal que estes anjos estivessem um tanto, digamos, alcoolizados. O Cráudio agachou e prontamente se posicionou para resolver nosso problema. “Gente, o que eu preciso é de um alicate e um martelo”. Com os olhos bem arregalados e um tanto entorpecida pelo aroma alcoólico perguntei, “Você precisa do que???”. Com simplicidade e muita vontade de ajudar o Cráudio fala: “Seguro com o alicate, dou uma martelada e essa corrente já entra no lugar”. Nem sabia mais o que dizer. O Chevinho subiu na moto, foi buscar ajuda e trouxe o Julio, que também chegou “bastante alegre”. Resolvido o problema seguimos viagem. A parada durou um pouco mais de uma hora, tempo suficiente para fazer a viagem terminar no escuro da noite. Essa parte da viagem foi tensa, pois só tínhamos as lanternas das bicicletas para iluminar o caminho e a rota de orientação. Após 55,33 km chegamos a Aiuruoca, na pousada do Gilberto, que estava comemorando o aniversário dele com familiares e amigos. Lubrificamos as correntes das bikes, tomamos banho, comemos um lanche e fomos dormir.


Terceiro dia – A carta de orientação informava que este era o dia mais difícil. E foi! Na parte da manhã pegamos uma dura subida pesada de uns 9 km com bastante pedras soltas. Depois desta etapa, chegamos a um ponto que era praticamente impossível ficar em cima da bike de tão inclinadas que eram as subidas. 4h de pedal e chegamos ao Recanto das Bromélias, um lugar lindo no alto da montanha, nossa parada para almoço. A linha do horizonte apontava nuvens carregadas. Não demora e a chuva começa. E agora, sair ou esperar? Sair! Capa no alforge, vestir corta vento e pé na estrada. A chuva não nos acompanhou por muito tempo. Chegamos ao ponto mais alto do Caminho dos Anjos. Que visual lindo! Dava orgulho lembrar o que já tínhamos deixado para trás, mas ainda tinha muito chão pela frente. Descidas muito íngremes e perigosas com muitas pedras soltas. Outras descidas com crateras enormes abertas pela erosão. Impossível descer sem soltar o freio. Muitos trechos eram semelhantes às descidas de Downhill. Foram horas de tensão psicológica e muscular. A noite começa a avançar. O céu estava lindo e estrelado, mas nem dava pra curtir muito porque ainda tínhamos muitos quilômetros a percorrer. As subidas duras não aliviavam. Uma delas tinham umas pedras enormes e extremamente escorregadias. 32,8 km depois, tomamos a decisão de pedir pouso em um pequeno sítio chamado “Casa Rosa”, que costuma receber peregrinos. Única casa no meio do nada. Fomos tentar a sorte, porque não avisamos que iríamos, então havia chance de não ter ninguém em casa. Pensar positivo fez toda a diferença. A Lúcia nos recebeu maravilhosamente bem. Era tudo muito simples, mas divinamente acolhedor. Nos sentimos em casa. Quarto dia – Alívio em pensar que o pior já tinha passado, mas bastante consciência de que tínhamos bastante chão pela frente. Começam a aparecer dores e cansaço. Hora de trabalhar o psicológico. Quinze minutos de pedal e perco completamente o freio, saldo do Downhill do dia anterior. O jeito é descer e continuar a peregrinação empurrando a bicicleta. Chegamos a “Parada do Nadinho” que fica no Espraiado do Gamarra, bairro de Baependi, lugar que deveríamos ter chegado na noite anterior. Mais uma vez a providência divina se manifesta e encontramos um grupo de ciclistas que também estavam fazendo o Caminho dos Anjos, mas que haviam se perdido. Eles estavam com carro de apoio e um deles regulou o freio da minha bike e nos devolveu a possibilidade de completar o caminho pedalando. 59 km depois da pernoite na “Casa Rosa” chegamos a São Lourenço. Que sensação boa! Oitenta por cento do trajeto concluído.


Quinto e último dia – Levantamos cedo, fizemos todos os procedimentos habituais e, com muita vontade de chegar a Passa Quatro iniciamos o dia. O pedal da manhã foi maravilhoso. Paisagem linda e plana com algumas descidas compridas que nos permitiu curtir muito e acelerar o ritmo desfrutando do vento gostoso no rosto, presente de Deus para quem pedala. Parada para almoço no Pesqueiro 13 lagos em Virgínia. É hora da reta final. Que ansiedade, que alegria, que cansaço! A tarde nos reservou paisagens deslumbrantes e uma parada em uma fazenda onde fomos muito bem recebidos para abastecer nossas caramanholas de água. Os últimos quilômetros foram de descidas. De repente a tão esperada placa: Passa Quatro! Quantos sentimentos misturados: emoção, dores, alegria, cansaço. Parada para foto.


Chegamos! 240 km percorridos. Certamente este carnaval vai ficar gravado na memória. Antes de tomarmos as primeiras atitudes para planejar essa viagem, 240 parecia uma quilometragem muito distante de ser cumprida. Desejar é importante. Talvez não nos faltem vontades e sonhos. Mas planejar e dar os primeiros passos em direção à meta traz o impulso vital e determinante. Pedalamos os 240!


Qualquer realização depende do tamanho da nossa vontade. Desejo que essa tenha sido a primeira de muitas outras viagens de bicicleta. Que essa realização impulsione tantas outras em nossas vidas. E que venham os desafios, porque “o que se leva da vida é a vida que se leva”. Obrigada, Cris, pela parceria e cumplicidade de sempre.

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