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Cicloviagem RJ: "Precisamos estar dispostos a nos livrar da vida que planejamos, para podermos

Atualizado: 7 de jan. de 2019



Geralmente uma viagem de bicicleta (cicloturismo) envolve um planejamento de algumas semanas, meses ou até anos, dependendo do seu grau de complexidade e da distância que se pretende percorrer. Mas esta é a história de uma viagem um pouco diferente, pois ela aconteceu quase sem planejamento.

Vivíamos na cidade de Bom Jardim e tínhamos a ideia de pedalar até Teresópolis (ambas localizadas na região serrana do estado do Rio de Janeiro), mas essa ideia se materializou de surpresa, nos pegando desprevenidos, e assim tivemos uma aventura de 156 quilômetros e 3 dias:

Dia 1 - De Bom Jardim a Nova Friburgo:

Nos despertamos antes do sol nascer, em mais um dia lindo num vale de Mata Atlântica localizado na zona rural de Bom Jardim, e às 7 horas da manha soubemos que dali a quatro horas iniciaríamos a viagem (duas semanas antes do planejado), pois teríamos que deixar o nosso emprego, pois o local onde vivíamos e trabalhávamos estava passando por um período de mudanças e nós tínhamos visões diferentes dos atuais coordenadores. Um novo ciclo se iniciava em nossas vidas.

Assim, mesmo antes de começarmos a viagem, aprendemos nossa primeira lição: "Precisamos estar dispostos a nos livrar da vida que planejamos, para podermos viver a vida que nos espera.", como disse Joseph Campbell, estadunidense estudioso de mitologia e religião.

Já havíamos feito algumas pequenas cicloviagens antes, de até 5 dias, então tínhamos um mínimo de experiência; mas, como a nossa saída nos pegou de surpresa, não havíamos realizado nenhuma manutenção nas bicicletas.

Com a cara e coragem partimos, mas, após 3 pedaladas, o pé-de-vela da minha bicicleta simplesmente caiu. Era só o que faltava! Como vou chegar a Nova Friburgo com o pedal na minha mão? Nos olhamos apreensivos e atônitos por um momento, e, depois, sem dizermos uma palavra, desatamos a rir da situação, e seguimos caminhando até a primeira descida. Aqui aprendemos nossa segunda lição: realizar uma manutenção básica das bicicletas antes de iniciar uma viagem.

A dúvida agora era: será que daria tempo de chegar até a bicicletaria? Já se aproximava o horário de almoço, quando ela fecha as portas, e ainda faltavam 3 km. Decidimos nos separar; Alan seguiu na frente para conversar com o Mateus, o dono e funcionário da bicicletaria.

Assim, fui empurrando a bicicleta com o pé de vela na mão... seria um sinal? Acho que sim, mas um sinal de que sempre existe alguém que te ajuda quando você menos imagina, um sinal de que tudo vai dar certo. E assim aprendi minha terceira lição. Sempre que necessitar alguém vai te ajudar. Estava há 5 minutos sozinha, tentando entender a situação, quando alguns grandes amigos pararam de carro ao meu lado e ofereceram ajuda, levaram minha bagagem e o pé-de-vela. Eu decidi ficar com a bicicleta e seguir caminhando, apesar deles muito insistirem para colocá-la no bagageiro. Quantas situações inesperadas e quanta alegria por sentir o apoio dos amigos!

Cheguei à bicicletaria e com todo carinho o Mateus resolveu nosso problema, sem nada cobrar. Gratos por sua ajuda, nos despedimos, pois ainda havia muito chão pela frente. Nosso próximo destino seria Nova Friburgo, a 25 Km.

Ainda antes de sair de Bom Jardim decidimos nos despedir de um amigo, o Lula, que foi a pessoa que nos apresentou ao centro espírita que frequentamos na cidade, um lugar que nos possibilitou várias reflexões filosóficas nas noites de quinta-feira. Não lhe encontramos em seu trabalho, mas lhe deixamos um bilhete de agradecimento.

Enfim, pedal na estrada; conhecíamos bem o trajeto, pois o realizamos diversas vezes, de ônibus. Sabendo que Nova Friburgo fica acima de Bom Jardim, esperávamos uma tarde de muita subida; e assim foi, porém mais fácil do que esperávamos. Realizamos a viagem em 3 horas por um caminho todo asfaltado, e, tranquilos, chegamos à cidade e encontramos um restaurante bom e barato ainda aberto para o almoço.


Eu, que na sede de pedalar não escutei minha sede (e não tomei água), cheguei desidratada. Foram 3 copos de suco de laranja para me recuperar e aprender a quarta lição: escutar o próprio corpo e não descuidar da hidratação durante a pedalada. Depois de devidamente abastecidos, nos guiamos para a pensão da Dona Mariquinha, no centro da cidade, onde nos encontramos com Luiza e João, companheiros de trabalho, de vida e agora de viagem (mas eles foram de carro; não conseguimos arrasta-los para o pedal). Assim encerramos nosso 1º dia de pedalada.

Dia 2 - de Nova Friburgo a Teresópolis:

O segundo dia amanheceu friozinho, sem sol. Tomamos um belo café da manhã e arrumamos nossas coisinhas para seguir rumo a Teresópolis. A viagem seria longa, 77km até o centro da cidade. Mas, como “conhecíamos” a estrada, por haver passado ali uma vez de ônibus, estávamos confiantes.

Entramos no circuito Terefri (rodovia Friburgo – Teresópolis) por volta das 11 horas da manhã. Antes disso compramos umas frutas, uma farinha de tapioca, um doce de banana para dar aquela energia e uma panelinha para cozinharmos com o nosso fogareiro a álcool feito de lata de refrigerante. Logo no início da pedalada, Luiza e João, nossos amigos do volante, passaram por nós. Ali nos despedimos, pois nosso próximo encontro seria no Rio de Janeiro, na casa da Luiza. Seguimos rumo a Teresópolis, ou "cidade de Teresa", um nome em homenagem à imperatriz brasileira Teresa Cristina, esposa do Imperador D. Pedro II.

Muitas subidas, poucas descidas. Curvas e frio. Chuva e cansaço. Foram 9 horas de pedaladas com algumas paradas para descanso e a quinta lição: uma coisa é ir de ônibus, outra coisa é sentir o relevo a cada pedalada.

Uma das primeiras paradas aconteceu após 28 km percorridos, na Queijaria Suíça (http://www.casasuica.info/), um espaço requintado com uma interessante variedade de queijos e chocolates. Compramos o que o nosso orçamento permitia: um pedacinho de queijo e duas barrinhas de chocolate, tudo de fabricação própria. Valeu a experiência.


Continuamos nossa viagem, ou seja, nossa subida rumo a Teresópolis. Lentamente íamos avançando; a marcha da bike quase não saia da 1:1 (a mais leve possível). Chegamos com a noite já estabelecida, entramos na cidade e uma longa subida nos deu as boas-vindas. Decidimos descer da bike e seguir empurrando; desta maneira trabalharíamos outros músculos de nossas pernas, e assim chegamos ao centro de Teresópolis.

Encontramos um bom Hotel (Hotel Rever), que, oferecendo uma diária em conta e café–da–manhã, acolheu os dois cicloturistas cansados. Dormimos bem, após um delicioso banho quente e com a barriga saciada. Estávamos tão cansados que nem cozinhamos nesta noite, acabamos comendo arroz, feijão, omelete e salada num restaurante, e a conta quase saiu o preço de nossa estadia no hotel; (essa foi a sexta lição: controlar a fome e perguntar o preço dos alimentos antes de fazer os pedidos)... sempre aprendendo!!

Dia 3 – de Teresópolis a Petrópolis:

Acordamos cedo, e apesar do corpo dolorido, decidimos seguir para nosso próximo destino: Petrópolis, cidade Império, a 54 km de Teresópolis, também situada na região serrana fluminense. Nossas bicicletas haviam “dormido” num estacionamento, e o responsável pelo lugar, depois de nos ajudar a consertar um vazamento em nosso reservatório de água, compartilhou sua água conosco. Logo na saída da cidade de Teresópolis entramos no ponto alto da viagem, a serra de Itaipava, uma estrada linda, quase sem movimento nesse dia (quarta-feira), o que tornava mais agradáveis os 8,8km de terreno inclinado.


Durante o trecho, descemos e empurramos as bicicletas em alguns momentos, e paramos duas vezes para beber água e comer banana (fonte de carboidratos), amendoim cru e o que ainda restava do queijo suíço (fontes de gordura e proteínas).

Valeu a pena cada metro acima; chegamos ao topo (880m) após, acredito eu, 3 horas de pedalada. E que beleza! Lá de cima podíamos ver vários quilômetros à frente, repletos de vegetação. Adiante uma linda e extensa descida, rodovia vazia, clima ameno; foi uma delícia descer e descer vários quilômetros e, no fim, Petrópolis se apresentava. Que Maravilha! Aqui aprendemos nossa sétima lição: os maiores desafios trazem as maiores recompensas.

Entramos em Itaipava, um bairro da cidade, e seguimos rumo ao centro. Caminho plano e com um considerável movimento. Muitos carros, ônibus, caminhões e motos indicavam a proximidade de nosso destino.

Por volta das 17 horas chegamos ao centro histórico da cidade de Petrópolis; daí só tínhamos que procurar um local para dormir e descansar. Confesso que não foi fácil, ficamos perdidos na cidade em meio ao intenso movimento de automóveis. Não estávamos bem informados e não sabíamos que Petrópolis tinha mais de 300 mil habitantes... Esperávamos algo mais parecido com o centro histórico de Ouro Preto, de Minas Gerais. Oitava lição: conhecer o porte da cidade que irá visitar evita surpresas.

Depois de muito rodar e perguntar, escolhemos o hotel mais barato que encontramos, mas o mais caro da viagem. Cansados e assustados com a “metrópole” que se apresentava diante de nós, fomos dormir, depois de comermos batata e cenoura refogadas, com tapioca, agrião e uns pedacinhos de queijo, feitos com nosso “kit” de cozinha. O agrião nós coletamos na beira da estrada entre Nova Friburgo e Teresópolis, onde há uma grande produção de hortaliças. Possivelmente eram “restos” das colheitas do dia, e nós aproveitamos gratuitamente.

Conhecemos a cidade de Petrópolis, visitamos o Museu Imperial (quanto luxo!!), curtimos uma pracinha, descansamos e, para terminar, descemos para a capital (Rio de Janeiro). Tomamos um ônibus, pois eu me encontrava um pouco indisposta, com cólicas pré-menstruais. Chegamos ao Rio felizes para poder aproveitar um final de semana com amigos, antes de partirmos para Belo Horizonte para nos organizarmos para realizar nosso grande projeto: uma viagem de bicicleta pela América Latina, o Projeto Ciclos.


Foram 3 dias de pedaladas, muita energia gasta; muita alegria em retornar ao pedal depois de 3 meses da última viagem de bicicleta! Encontramos, como sempre, pessoas lindas dispostas a nos ajudar, e também um pouco de comida gratuita, com fome não iríamos ficar. Apesar do inesperado início da viagem, tudo ocorreu muito bem e tivemos mais algumas lindas experiências para recordar, contar e compartilhar.

Vamo que vamo!!

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